Antes que eu comece a escrever sobre minha viagem a Dinaev, preciso falar de uma possibilidade que n?o sai da minha cabe?a. Atente-se que tudo neste curto relato reflete unicamente a minha interpreta??o dos acontecimentos em Polireti, e o leitor que busca apenas certezas incontestáveis poderá continuar para os próximos capítulos. Aqui, escreverei um panorama geral de como entendi a cadeia de eventos, e o leitor ávido será capaz de entender por que escrevi as cartas anteriores da forma que as fiz.
Tudo surgiu com a pergunta: quem matou Ystal?
No fim das contas, esse é um mistério em aberto, que talvez jamais será desvendado. Contudo, sempre que penso no que aconteceu, uma ideia nada agradável se agarra em mim e n?o quer descolar de jeito e maneira.
Vou dizer de uma vez: Nastátia o fez.
Sinto que nesse momento, uma parte está pensando: “O quê?”
E a outra: “Eu sabia!”
Ambas fiquem comigo, pois deixarei minha hipótese o mais clara possível.
Argumento 1: Nastátia era amaldi?oada.
é incontestável que Nastátia partilhava da maldi??o de Edmont. Porém, o momento exato em que suas transforma??es come?aram n?o é fácil de supor. O mais provável é que tenha come?ado por volta do momento em que atingiu a maioridade. Dois Licanos ao invés de um explicam o maior número de cabe?as de gado desaparecidas nos anos recentes. Contudo, ainda é preciso ressaltar que Nastátia n?o controlava os seus impulsos — eles a controlavam. A transforma??o de Edmont estava completa, por isso era capaz de raciocinar enquanto cometia as atrocidades que planejava. Por outro lado, Nastátia era incapaz de possuir o pleno entendimento dos seus atos; n?o diferente de um animal que age puramente por instinto.
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A maldi??o ficava mais poderosa — a sede de sangue e fome de carne inclusive — nas noites de Lua cheia, e até mesmo Edmont poderia perder o controle. Com Nastátia, as noites que antecediam a fase cheia da Lua já deveriam ser capazes de transformá-la contra a sua vontade e fazê-la escrava de seus atributos animalescos.
Daí surge a possibilidade de ter se transformado em uma noite em que Edmont n?o estava por perto para detê-la. Da cabana de ca?a de Edmont até a fazenda atrás do templo de Iaos, a distancia pode ser percorrida em poucos minutos por um lobo. N?o é irrazoável imaginar que Nastátia se assustou com o senhor caminhando pela floresta e o atacou sem motivo aparente.
Argumento 2: O ritual de transforma??o.
N?o se sabe o que Edmont pretendia fazer naquela noite, caso n?o fosse parado pelo Escolhido. Pelo que conhe?o de maldi??es hereditárias, existe sempre um ponto em que é necessária a completa e total ades?o do filho ao modo de vida do pai por livre e espontanea vontade.
Assim como Romuno queria que todos pensassem que ele tinha matado corajosamente o monstro para que Nastátia n?o fosse embora de Polireti— dado que ele n?o sabia que o Licano era real, ingenuamente acreditava que Seutak havia resolvido o problema da vila com as ra??es bem-compradas —, o plano de Edmont era igualmente simples. Se Nastátia acordasse de seu transe após a noite de Lua cheia e encontrasse na sua boca o gosto do sangue do homem que amava — segredo que contou naquela tarde a Edmont, seguindo o conselho do Escolhido, e impulsionou o monstro a agir contra Romuno — nada mais restaria para ela além de se juntar às inten??es nefastas do pai.
Conclus?es:
Esse episódio foi talvez o mais complexo que tive de enfrentar em todas as minhas viagens, e precisei interferir mais do que gostaria na organiza??o dos fatos. Espero que essa carta seja útil para os que buscavam uma compreens?o mais abrangente do que aconteceu em Polireti.
Ah, e quanto mais eu poderia ficar falando da simbólica desse episódio na vida do Escolhido! Iaos, magia e maldi??es; relacionamento entre pais e filhos; amor, conselhos e suas consequências… N?o restariam papéis em Cahgri quando os copistas terminassem as infindas cartas!
Para muitos — e para mim — um alívio: essa obra n?o busca explicitar nenhuma associa??o transcendental. A interpreta??o simbólica cabe inteiramente ao leitor, meu único dever é apresentar pontos de vista e opini?es com respaldo na realidade.