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BILHETE

  O trinco da janela n?o resistiu. O vidro foi erguido com facilidade. Ele entrou.

  Silêncio. N?o aquele silêncio natural da noite, mas o silêncio sufocado de uma casa dormindo — o som abafado da geladeira, o tique nervoso do relógio na sala, e um leve sussurrar vindo do corredor, como se as paredes respirassem em segredo.

  Ele entrou descal?o. Os pés calejados conheciam o caminho. Um passo de cada vez, respirando pela boca. Havia feito isso antes. Em outras casas. Em outras vidas.

  Subiu as escadas como quem invade uma igreja, sentindo o ranger da madeira sob seu peso, medindo cada som como uma amea?a. As m?os trêmulas, os olhos varrendo a penumbra. à esquerda, uma porta entreaberta deixava escapar o brilho fraco de um abajur. Lá dentro, os dois dormiam.

  Ela estava virada de costas, cabelos cacheados espalhados como vinhas emaranhadas sobre o travesseiro. Os fios ruivos pareciam ainda mais vivos sob a luz morna. O homem ao lado dela respirava fundo — barba espessa, rosto parcialmente coberto pela sombra. Um ronco quase imperceptível saía de suas narinas. Um som íntimo. Doméstico. Familiar demais para alguém de fora.

  Ele n?o se aproximou. N?o era isso que tinha vindo buscar.

  Passou pelo quarto como um vulto, atravessando a sombra da cama até a c?moda. Abriu a primeira gaveta.

  Joias. Um relógio suí?o. Um colar de pérolas falsas. Alian?as esquecidas. Tudo reluzia em prata e ouro, mas ele n?o os viu. Os dedos passaram por cima como se aquilo fosse lixo. O valor n?o estava ali.

  Segunda gaveta: papéis, documentos, um envelope amassado, nada.

  Terceira.

  Ali, o cheiro mudou. Algod?o, perfume floral, um toque de suor antigo. Calcinhas dobradas em pares, suti?s cuidadosamente encaixados, uma meia furada. Ele enfiou a m?o no fundo, tateando entre os tecidos.

  E ent?o... os dedos encontraram algo.

  Um papel amarelado, dobrado ao meio. Frágil, como se estivesse prestes a se desfazer ao toque. Ele abriu devagar, com reverência. Os olhos fixaram as palavras. A letra era torta, ansiosa, quase adolescente.

  “Estarei em casa antes do jantar. Para todo sempre vou te amar – Daniel.”

  O ar pareceu se ausentar da sala. Ele leu de novo. Depois outra vez. A cada leitura, um arrepio diferente — como se o bilhete sussurrasse diretamente ao ouvido, como se tivesse sido escrito para ele.

  Ele sorriu. Um sorriso que n?o alcan?ava os olhos. Guardou o papel no bolso interno do casaco com o cuidado de quem esconde uma joia rara. Tocou o peito por cima, sentindo o formato através do tecido, como se aquilo fosse agora seu cora??o.

  N?o levou mais nada.

  Atravessou a casa na mesma lentid?o com que entrou. Fechou a janela após sair.

  A rua o recebeu com vento. Ele desapareceu entre as sombras da madrugada, carregando o bilhete como um tesouro.

  ◆◆◆

  A chave rangeu na fechadura, como se a própria porta tentasse resistir.

  Ele empurrou com o ombro. A madeira cedeu. O corredor escuro o engoliu sem cerim?nia.

  Lá dentro, o ar era denso, carregado de mofo, suor e alguma coisa mais velha que o tempo. A luz do poste lá fora atravessava as frestas da janela, desenhando barras amarelas no ch?o encardido. O som de um ventilador quebrado, girando devagar, fazia a casa parecer viva — como se ela sussurrasse, mastigando lembran?as.

  Ele fechou a porta e trancou. Duas, três voltas na chave.

  O corredor era estreito, as paredes cobertas por papéis, fitas adesivas, post-its desbotados com nomes e números. Havia caixas empilhadas, sacolas plásticas, bonecas sem cabe?a, livros embolorados, fotos cortadas ao meio. Um caos calculado. Tudo tinha seu lugar. Tudo precisava ter.

  Ele seguiu até o fundo, passando por um espelho quebrado — seu reflexo distorcido o espiou com três olhos. Atravessou uma cortina de contas e entrou no c?modo principal.

  Era um santuário.

  As paredes estavam cobertas por prateleiras, fileiras organizadas com uma precis?o religiosa. Cada prateleira era um altar de relíquias: Uma escova de cabelos com fios negros ainda presos às cerdas.

  Uma caneca com um pequeno lasco ao lado.

  Um broche em forma de flor, oxidado, mas limpo.

  Um casaco com cheiro de lavanda.

  Um brinco sem par, preso a uma etiqueta.

  E abaixo de cada objeto, um papelzinho com nomes e datas:

  "Helena – 04/11/2021 – Rua S?o Vicente"

  "Marta – 12/03/2022 – Cobertura 903”

  "Esther (?) – 07/06/2023 – Casa do Lago”

  Alguns nomes estavam com interroga??es. Outros riscados, corrigidos.

  Todos escritos com a mesma caneta azul falhada.

  Ele retirou o casaco e pendurou cuidadosamente ao lado da porta. Depois, tirou o bilhete do bolso.

  Olhou para ele como se olhasse uma ferida antiga. A ponta dos dedos trêmula, os olhos marejando. Leu mais uma vez — murmurando junto as palavras, como um juramento:

  “Estarei em casa antes do jantar. Para todo sempre vou te amar – Daniel.”

  Com passos lentos, atravessou o c?modo. Escolheu uma prateleira vazia no canto inferior. Pegou uma nova etiqueta, escreveu com calma:

  “Clara (?) – 08/04/2025 – Rua 15 de Novembro”

  Fixou o bilhete com alfinetes. Ele n?o podia cair. N?o podia se perder.

  Abaixou a cabe?a. Tocou o papel com os lábios.

  Fechou os olhos. Ali estava. Mais uma memória conquistada.

  ◆◆◆

  Ele voltou.

  Na mesma rua, no mesmo horário, o carro estacionado no canto mais escuro, encoberto pelas sombras da árvore retorcida. O motor desligado, os faróis apagados, e mesmo assim, ele n?o respirava. Só observava.

  A casa tinha luzes acesas. A janela da cozinha aberta. Clara — ele decidiu que esse era seu nome — movimentava-se lá dentro. Os cabelos cacheados ruivos presos em um coque frouxo, um avental florido sobre o vestido claro. Ela falava ao telefone, gesticulando com a m?o livre enquanto cortava algo na bancada.

  Ele tentava adivinhar o que ela dizia. Lia os lábios, imitava os gestos. Quando ela inclinava a cabe?a de lado e ria, ele fazia o mesmo dentro do carro, os olhos fixos nela, o sorriso colado na boca como uma máscara velha.

  Quando ela desligava o telefone e lavava as m?os, ele fingia também enxaguar as próprias, limpando o nada sobre as cal?as puídas. Quando ela acendia o fog?o, ele fingia girar o bot?o do painel do carro.

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  A cada movimento, ele se aproximava mais. Come?ou a sair do carro, a esgueirar-se por trás dos carros estacionados, os olhos secos, famintos. Parava no port?o, depois avan?ava mais um pouco, até estar junto ao muro. Respirava o cheiro da comida, sentia o perfume leve de sab?o que vinha da janela da lavanderia.

  Clara limpava a mesa agora, cantarolando baixinho. Ele n?o ouvia a melodia, mas fingia cantar com ela.

  Aquilo n?o era mais espionagem. Era ritual.

  Naquela noite, ele ousou mais.

  Atravessou a rua, contornou os fundos da casa e parou rente à parede, sob a janela do quarto. Ouviu passos. Risos. A voz masculina de Daniel se misturava à dela. O som da vida real. Uma vida que n?o era dele.

  Ele subiu numa caixa de madeira que achou ao lado da lixeira. Esticou o pesco?o para tentar ver.

  E ent?o, Clara o viu.

  Os olhos dela pararam no vulto, e por um segundo, o tempo congelou. Ele pulou da caixa, trope?ou no ch?o de pedras, correu pela rua, sumindo na curva como um rato sem toca.

  Mas aquele olhar... ficou preso nele.

  ◆◆◆

  O espelho emba?ado o olhava de volta com olhos que n?o eram mais seus.

  A lampada do corredor oscilava, cuspindo luz amarelada em lampejos irregulares, como se hesitasse em iluminar aquele quarto. No ch?o, as roupas jogadas formavam um tapete de restos de vidas — tecido manchado, rendas rasgadas, pe?as de todos os tamanhos, estilos, cheiros. Entre elas, ele encontrou um vestido florido, puído, velho demais para ainda ter cor.

  Vestiu com cuidado, como se fosse sagrado. O tecido esfregou na pele magra, suja, mas ele sorriu. Um sorriso suave, quase infantil, como se estivesse se preparando para um baile.

  Frente ao espelho rachado, ele ergueu os bra?os e imitou o gesto que vira Clara fazer ao amarrar o cabelo. Depois fingiu lavar as m?os, ajeitar o avental, ensaiar uma frase:

  — Daniel... já deixei o jantar no forno, amor... Repetiu. Corrigiu o tom. Testou a entona??o. Sussurrou, riu baixinho.

  — Daniel...

  O nome soava bem nos lábios. Como um beijo. Como um feiti?o.

  Agora, ele era Clara.

  Mas a encena??o que parecia doce foi se desfazendo em cortes tortos. Enquanto passava o pano no balc?o, como ela faria, ele parou. Um cheiro velho de jasmim o puxou. Virou-se em dire??o à prateleira e, como se o corpo tivesse sido possuído, esticou a m?o e pegou um pente dourado.

  Se sentou no canto do c?modo e come?ou a pentear os cabelos desgrenhados, com uma express?o de superioridade, de nojo, de alguém que sempre achou que era melhor do que todos. Os ombros erguidos. O queixo alto. A sobrancelha arqueada.

  Mas aquilo também se quebrou.

  Soltou o pente. Seus olhos correram pela prateleira até pararem na caneca lascada, uma de lou?a branca com um desenho de flores desbotadas. Pegou-a como quem reconhece um velho segredo. Com passos timidos, se aproximou do espelho lascado. Fechou ambos os olhos e encostou o ouvido na parede. Com uma das m?os, baixou as cal?as.

  Come?ou a se tocar. Os olhos abertos, encarando o espelho.

  N?o gemia. N?o sorria. Só mantinha o olhar fixo, como se estivesse se assistindo de fora.

  Terminado o ato, recolocou a caneca em seu altar particular, se recomp?s e voltou ao espelho rachado.

  Era Clara, de novo. Os olhos úmidos. Os lábios trêmulos. A voz baixa.

  — Eu te amo, Daniel...

  O sussurro ecoou pelo quarto como uma maldi??o doce, carregada de dor e desejo.

  ◆◆◆

  O vestido pendia frouxo no corpo. O tecido estava sujo, rasgado na barra, manchado nas axilas. Mas ele o ajeitava com cuidado, como quem se prepara para um reencontro importante.

  Na frente do espelho rachado, passou batom com dedos trêmulos. Os lábios ressecados, a boca se moldando num sorriso delicado. Treinou frases baixas, afetadas, do tipo que imaginava que ela dizia:

  — Oi, amor...

  — Preparei seu prato preferido...

  — Hoje você tá ainda mais bonito, Daniel...

  Do outro lado da rua, a casa acesa. Cortinas abertas. A sala iluminada por uma luz morna.

  Ele observava do port?o. Clara — mesmo que esse n?o fosse o nome dela — andava de um lado para o outro, ta?as na m?o. Daniel apareceu logo em seguida, sorrindo com aquele jeito manso que ele conhecia t?o bem.

  Ela encostou nele. Um beijo no rosto. Um gesto íntimo.

  E tudo dentro dele se partiu.

  O cora??o bateu mais forte. As m?os suaram. O vestido colou ao peito.

  Era como ver um estranho deitado no seu lugar. Um estranho usando o seu nome. Um estranho vivendo sua vida.

  N?o era ela. Nunca foi.

  Ele saltou o port?o.

  N?o se lembrava de como chegou até a lateral da casa.

  Nem de como encontrou a janela da cozinha semiaberta.

  Só sabia que, de repente, estava ali — dentro da casa. Onde deveria estar.

  Ela o viu primeiro. Parou no corredor, as ta?as ainda nas m?os.

  Os olhos dela se arregalaram. O queixo tremeu. O corpo recuou.

  Ela o reconheceu. Ele deu um passo.

  Ela se afastou.

  — Daniel... — chamou com a voz embargada.

  Daniel surgiu da sala com um livro na m?o. Ao vê-lo, parou.

  — Quem é você?

  Ele sorriu. Os olhos brilhando. — Amor... Sou eu!

  Daniel franziu a testa. Olhou para a mulher, depois de volta para ele.

  Mas ele já tinha avan?ado. N?o correu. Caminhou como quem entra em casa depois de anos fora.

  — Você prometeu — disse. — Você escreveu aquele bilhete. Você disse que voltaria antes do jantar.

  Daniel se p?s entre ele e a mulher.

  — Escuta, n?o sei quem você pensa que é, mas vai precisar sair daqui agora.

  A mulher, ainda atordoada, sussurrou:

  — Ele é o cara da janela. Aquele dia... ele tava me espionando.

  Daniel come?ou a se mover, protetor.

  E ent?o, sem pensar, o invasor pegou o vaso da estante.

  Ceramica azul. Flores pintadas. Um presente antigo. Clara adorava flores.

  O impacto foi seco. Daniel tombou no sofá, a m?o na têmpora, o sangue escorrendo pela barba.

  A mulher gritou, mas o som saiu fraco. Tentou correr, mas ele a puxou pelo cabelo e a empurrou contra a parede com for?a.

  — Você... — cuspiu, com ódio e nojo. — Você estragou tudo! Você roubou ele de mim!

  Ela caiu sentada, os olhos arregalados, tentando entender. Os ombros tremiam. Ela balan?ava a cabe?a, em nega??o muda.

  — Você n?o é Clara! — gritou. — Eu sou Clara!

  Ajoelhou-se ao lado de Daniel, que gemia no ch?o, ainda consciente, mas fraco.

  Tocou seu rosto com ternura. Um carinho esquisito, for?ado.

  — T? aqui agora, amor... ela se foi... — disse, olhando brevemente para a mulher, como se ela fosse um inseto. — Somos só nós dois. Como sempre foi.

  A mulher tentava rastejar até o corredor, mas ele n?o olhava mais.

  Ela era ruído. Fundo. Invisível.

  Ele se aproximou do rosto ensanguentado de Daniel. Ro?ou os lábios no queixo dele, sussurrando:

  — Eu te amo... Daniel. Sempre te amei.

  E o mundo, naquele instante, era só isso:

  Uma sala tingida de sangue.

  Um corpo no ch?o.

  A casa estava silenciosa.

  ◆◆◆

  A água escorria em silêncio pelo ralo.

  Ele esfregava o corpo com movimentos lentos, circulares, como se tentasse remover n?o só o sangue seco das unhas e do pesco?o, mas tudo que havia por baixo da pele.

  No rosto, uma express?o de calma. Satisfa??o, até. Como alguém que finalmente teve um dia produtivo.

  O banho durou tempo demais. Quando saiu, o corpo tremia de frio, mas ele n?o sentia. Secou-se com uma toalha áspera e escolheu um avental florido, manchado nas bordas. Vestiu-o com solenidade.

  A casa estava escura. A única luz vinha da vela sobre a mesa.

  No centro da sala, a mesa de jantar fora arrumada com cuidado: pratos fundos, talheres alinhados, uma ta?a manchada de batom.

  Diante dela, Daniel.

  Estava amarrado à cadeira com fios de extens?o, o rosto desfigurado por hematomas e cortes profundos. A barba empapada de sangue. O olho esquerdo fechado por incha?o. A cabe?a pendia para o lado — mas ele ainda respirava. Ainda sentia.

  O invasor passou por trás da cadeira, ajeitou o cabelo de Daniel com um gesto afetuoso, e sussurrou:

  — Desculpa pela bagun?a. Eu queria que fosse perfeito... é que... você sabe como eu sou com esses detalhes.

  Desapareceu na cozinha por alguns segundos.

  O som de pratos sendo ajustados. Talheres. Um pano de linho estendido com esmero.

  Quando voltou, trazia uma bandeja de prata coberta com um pano branco.

  Os olhos brilhavam com um entusiasmo infantil. Ele posicionou a bandeja no centro da mesa, entre os dois pratos.

  — Agora fecha os olhos — disse, com a voz doce. — é surpresa.

  Daniel n?o reagiu. Chorava em silêncio, o rosto virado para baixo.

  Ele puxou o pano com um gesto elegante, teatral.

  Mostrando a pele pálida. O corte do pesco?o ainda úmido. Os cabelos ruivos puxados para o lado, como se alguém tivesse tentado ajeitá-los. Os olhos fechados. Os lábios ligeiramente abertos, numa express?o quase tranquila.

  Era apenas um prato para um deles. Para o outro, era a cabe?a da esposa.

  — Ficou linda, né? — disse, emocionado. — Eu lavei o rosto dela com água de rosas. N?o que mere?a.

  Pegou a faca. Cortou lentamente um peda?o da bochecha, com cuidado, como se respeitasse a carne. Levou à boca. Mastigou com os olhos fechados. N?o havia assado, ou cozido, apenas um corte grotesco no pesco?o. Esse fora o máximo de preparo. Cru.

  — Tá ótimo... — disse. — A textura... o tempero... tudo no ponto.

  Olhou para Daniel com ternura.

  — E você, amor? Vai querer qual peda?o? A nuca? A língua? A nuca é bem durinha, como você gosta!

  Daniel chorava mais agora. O rosto vermelho.

  O corpo tremendo nas amarras.

  — N?o chora... — ele sussurrou, se aproximando. — Já passou. Ela se foi. Só nós dois agora.

  Ajoelhou-se ao lado, acariciando a m?o ensanguentada de Daniel como se fosse um animal ferido. Depois, levantou-se com calma.

  Beijou Daniel com ternura. Ele tentou se esquivar, se afastar. Mas n?o tinha for?as.

  Após o beijo, ele soltou o rosto do seu amado esposo, ficou ereto.

  A postura delicada mudou para um porte abrangente.

  — Porcos malditos. — Disse ele com nojo no olhar.

  Virou-se para a porta e foi para seu santuário. As prateleiras estavam como sempre.

  Organizadas. Rituais de uma mente que precisava de ordem para n?o desaparecer por completo.

  Ele passou por broches, escovas, brincos, mechas de cabelo. Parou diante da última prateleira.

  Ali, repousava uma meia rasgada, com sal endurecido dentro.

  Ele a pegou. E por um momento, algo mudou. O rosto ficou vermelho. As narinas se abriram. O sorriso sumiu. O peito come?ou a subir e descer num ritmo mais pesado.

  O sal brilhou sob a luz da vela, como pequenos cacos de vidro. Ele apertou a meia com for?a. Os dedos tremiam.

  Caminhou de volta até Daniel. Parou ao lado da cadeira. O silêncio era denso.

  A m?o erguida, o corpo rígido. Um fio de baba escorria no canto da boca. E ent?o disse, com a voz mais grave, mais sombria do que antes:

  — Acho que... preciso de um pouco do meu novo remédio.

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