Na luxuosa mans?o do Marquês Nafyr Yalareth, entre tapetes macios e colunas de mármore branco entalhadas com glifos antigos, um choro ecoou alto, claro e cheio de for?a. Era o nascimento do terceiro filho do respeitado general humano, herói das guerras contra os dem?nios e defensor do reino de Akashy.
— Ele nasceu… — sussurrou Nyellen, a m?e, com lágrimas nos olhos e um sorriso radiante. Sua pele clara brilhava sob a luz dos vitrais, e seus longos cabelos em tons de rosa suave pareciam dan?ar ao vento da primavera. Magra, gentil e aben?oada pelos deuses Aendor e Loraelwen, ela era reverenciada como uma das principais “clérigas maiores” do reino, o que é uma raridade até mesmo entre os aventureiros de mais alto nível.
O Marquês aproximou-se da cama com passos elegantes, seus olhos azuis profundos como o mar refletindo a luz do sol. Seu cabelo azul-celeste reluzia enquanto ele observava a pequena criatura enrolada nos len?óis. Apesar de sua presen?a intimidadora no campo de batalha, ali, ele parecia apenas um homem fascinado pelo milagre da vida.
— Hakuro... — disse ele, escolhendo o nome com um sorriso contido, quase reverente.
A crian?a era... diferente. Os poucos fios de cabelo em sua cabe?a eram de um lilás suave, quase mágico, e seus olhos — ainda inchados do parto — mostravam um roxo vivo, incomum, hipnótico.
Um pouco afastados, dois pares de olhos curiosos observavam o recém nascido: Kyra, a primogênita, com um olhar calmo em seus magníficos olhos azuis e seus cabelos rosados sendo enrolados com os dedos para acalmar seu nervosismo, era aben?oada pela deusa Symeria, e Alek, o irm?o do meio, com seus olhos vermelhos vibrantes e cabelos azuis devidamente alinhados, exibia um ar travesso típico de sua personalidade astuta, possuía a ben??o do deus Velkar.
Dez dias se passaram desde o nascimento daquela crian?a, e foi nesse décimo dia, enquanto a brisa suave atravessava as janelas abertas da mans?o, que os olhos roxos vívidos de Hakuro finalmente se abriram — mas n?o como os de uma crian?a comum.
"Onde estou…?"
Pensamentos claros e calculados fluíam em sua mente, mas sua boca n?o conseguia acompanhá-los. Preso dentro de um corpo minúsculo e frágil, Hakuro olhava para o teto de pedras claras, entalhadas com runas delicadas. Aquilo era t?o diferente da escurid?o úmida de sua antiga morada.
“O que... é esse lugar? Quem s?o essas pessoas? Por que... n?o consigo me mover direito?”
As perguntas se acumulavam em sua mente com angústia crescente. Sua última lembran?a ainda era vívida: os ecos solitários de uma caverna profunda, a quietude do tempo passando em ciclos milenares… e o som de sua própria respira??o se extinguindo, em paz. Havia vivido séculos — n?o como humano, mas como algo muito mais antigo… e poderoso.
Agora, no entanto, estava ali. Encarnado em um corpo infantil, sem for?as, sem voz, e ainda mais revoltante — sem entender uma única palavra das pessoas ao seu redor.
"Como isso é possível?! Por milênios tenho acumulado conhecimento — fórmulas mágicas que poderiam remodelar montanhas, histórias de civiliza??es que floresceram e ruíram antes mesmo do nascimento deste mundo. Runas ancestrais que eu poderia tra?ar com precis?o cirúrgica, mesmo agora, com estas m?os minúsculas e fracas. Mas aqui estou, incapaz de entender uma única palavra do que essas pessoas ao meu redor dizem. O som de suas vozes é como música distante, bela e incompreensível. E essa ignorancia… essa impotência… é insuportável."
Mas havia algo intrigante. Uma palavra. Uma única palavra que todos repetiam sempre que se aproximavam dele:
“Hakuro.”
Eles a diziam com frequência, com sorrisos calorosos, com ternura nos olhos. Alguns a cantavam, outros a sussurravam gentilmente. Mas o que seria aquilo? Um feiti?o? Uma invoca??o? Um símbolo de prote??o?
"Espera… Est?o se referindo a mim?"
Nada fazia sentido naquele mundo — nem os sons, nem os gestos, nem a atmosfera que emanava uma energia completamente diferente daquela a que estava acostumado em sua vida passada. Mas, com o passar dos dias, algo mudou.
Os rostos come?aram a se tornar familiares.
E ent?o, quando completou seu primeiro ano de vida neste novo corpo frágil e indefeso, uma clareza suave o envolveu.
"Reencarnei…"
A ideia se formou com solidez. Ele n?o sabia como ou por quê — as memórias da própria morte ainda eram turvas, como um sonho esquecido ao acordar. Mas sua consciência certamente n?o era a de uma crian?a. Era algo mais antigo, profundo e… nostálgico.
Mesmo sem compreender a língua, ele come?ou a decifrar pequenas coisas a partir de cheiros, gestos e padr?es.
A mulher de cabelos rosados e pele clara, cujo perfume lembrava flores do campo, era sua m?e. A forma como ela o segurava, o modo como sorria ao ver seu rosto — tudo nela transmitia amor e carinho.
As duas pequenas criaturas que viviam lhe puxando as bochechas, apertando seus bra?os e inventando brincadeiras estranhas, deviam ser seus irm?os. Um era mais calado, curioso. O outro… barulhento demais.
"Terríveis." — pensou, sempre que via os dedinhos se aproximando de seu rosto.
O homem alto, de presen?a imponente e cabelos azuis, com cheiro forte de col?nia e express?o séria… esse era, com toda certeza, seu pai. Raramente o pegava no colo, mas quando o fazia, Hakuro podia sentir o peso de sua energia — calma, protetora, mas carregada de autoridade.
E havia também a mo?a de sorriso calmo e olhos gentis. Era ela quem o banhava, o ninava, e cantava em uma língua desconhecida enquanto o colocava para dormir. Seu cheiro adocicado lembrava o orvalho da manh?.
"Ela deve ser a criada responsável por mim… talvez minha ama de leite ou algo assim."
Mesmo em sua nova vida, com lembran?as fragmentadas de batalhas e solid?o, ele encontrava conforto em sua presen?a. Era ela quem o vestia, alimentava, contava histórias e, quando necessário, o repreendia com um olhar firme, mas nunca com dureza.
Ao completar seu segundo ano de vida, Hakuro já dominava quase completamente a linguagem local. Talvez fossem os fragmentos de conhecimento ancestral ecoando em sua mente, ou talvez apenas uma afinidade natural com línguas… fosse como fosse, os sons antes indistintos agora ganhavam forma e significado. As palavras se encaixavam, os eventos faziam sentido, ainda assim lhe parecia impossível tal pronuncia.
Mas, para Hakuro, entender o mundo ao seu redor n?o era suficiente. Ele precisava explorá-lo.
Com o tempo, seus movimentos desajeitados deram lugar a passos firmes — embora ainda hesitantes. Ele come?ou a caminhar pelos corredores da mans?o, descobrindo tapetes longos, armaduras ornamentais, quadros de ancestrais sérios e portas escondidas. Tudo era um convite à curiosidade.
Mas havia um lugar em especial que o atraía: a biblioteca .
Arysa percebeu rapidamente o fascínio de Hakuro pelos livros. Ela o encontrava lá com frequência, sentado no ch?o ou tentando alcan?ar as prateleiras mais baixas. Seus olhos brilhavam enquanto observavam as lombadas, buscando algum padr?o que fizesse sentido.
— Você gosta mesmo desse lugar, n?o é? — perguntou Arysa certa vez, enquanto o pegava no colo para evitar que caísse de uma escadinha improvisada com brinquedos.
Hakuro n?o respondeu com palavras — afinal, sua fala ainda era limitada —, mas seus olhos diziam tudo. Eles brilhavam com uma intensidade que Arysa nunca tinha visto em uma crian?a t?o jovem.
Intrigada, ela mencionou isso a Lady Nyellen.
— Milady… — come?ou Arysa, hesitante — o pequeno Hakuro-sama... ele parece fascinado pelos livros. Eu o encontro lá quase todos os dias. Fica parado por longos minutos, apenas olhando as estantes, como se estivesse tentando… entender.
Nyellen ergueu os olhos do pergaminho em suas m?os e sorriu suavemente.
— Na biblioteca? — perguntou, com um tom quase divertido.
— Sim, senhora. é como se ele tentasse… conversar com os livros, de algum modo. N?o sei explicar.
Nyellen levantou-se com elegancia e, sem dizer mais nada, dirigiu-se até a biblioteca.
Lá, encontrou Hakuro sentado próximo a uma janela, os raios dourados do entardecer iluminando seu cabelo lilás. Ele estava completamente absorto, seus olhos fixos nas fileiras de livros, como se buscasse algum segredo escondido entre as lombadas empoeiradas.
Ela se aproximou lentamente.
"— Interessante… — murmurou para si mesma, antes de se abaixar e pegá-lo no colo, aproximando-se da estante com cuidado. Seus olhos acompanharam o olhar fascinado de Hakuro, fixo nas lombadas empoeiradas."
Os bra?os de Hakuro se estenderam imediatamente, tentando alcan?ar um dos livros. Ele tentava alcan?á-lo insistentemente, mesmo sem sucesso.
Nyellen sorriu. Pegou o volume que o pequeno tentava alcan?ar e o colocou, junto com Hakuro, no tapete da biblioteca.
Ela se afastou apenas o suficiente para observá-lo.
O que viu em seguida foi fascinante.
Hakuro abriu o livro com cuidado, como se aquilo fosse algo sagrado. Seus olhos brilhavam de excita??o enquanto virava as páginas com suas pequenas m?os, indo e voltando repetidamente. Ele n?o lia — ao menos, n?o ainda —, mas murmurava sons baixos, tentava formar palavras, repetia sílabas como se estivesse tentando arrancar sentido daqueles símbolos complexos.
Nyellen permaneceu em silêncio por alguns instantes, e ent?o chamou Arysa.
— Quero que você leia para ele — disse, ainda sem tirar os olhos do filho.
— Milady?
— Leia. Todos os dias. Uma hora, ao menos. Deixe que ele veja as páginas, que escute sua voz. Observei que, enquanto olha o livro, ele emite sons. Isso pode ajudá-lo a falar… e quero ver até onde isso vai.
Arysa hesitou por um momento, como se tentasse encontrar as palavras certas.
— Milady, — come?ou ela, com cautela — é claro que farei o que ordena, mas... perdoe-me pela ousadia. Ele é apenas uma crian?a. A senhora realmente acredita que ele pode aprender algo t?o avan?ado nesta idade?
Nyellen sorriu, mas havia algo enigmático em seu olhar.
— Arysa, há algo especial nele. N?o sei explicar, mas posso sentir. Ele n?o é como as outras crian?as. Se ele deseja aprender, n?o devemos limitá-lo. Pelo contrário, devemos alimentar essa chama dentro dele.
Arysa, embora surpresa, assentiu com respeito.
E assim o fez.
Dia após dia, Arysa sentava-se ao lado de Hakuro na biblioteca e lia, com voz suave e pausada, enquanto ele acompanhava as páginas com olhos atentos.
Com o passar dos meses, a curiosidade insaciável de Hakuro só crescia. Agora que conseguia caminhar com firmeza, ele explorava cada canto da mans?o Yalareth com uma determina??o quase obsessiva. Os corredores da mans?o eram amplos e iluminados por vitrais coloridos, que projetavam padr?es vibrantes no ch?o de mármore polido. As paredes estavam decoradas com tape?arias antigas, retratando batalhas épicas e paisagens místicas. Em alguns momentos, Hakuro parava diante dessas obras de arte, seus olhos roxos brilhando com fascínio. Ele n?o entendia completamente o significado das imagens, mas sentia uma conex?o profunda com elas, como se estivessem ecoando memórias de outra vida. Mas era na biblioteca que ele passava a maior parte do tempo.
Arysa continuava lendo para ele todos os dias, como Lady Nyellen havia ordenado. No início, eram apenas histórias simples — contos infantis sobre heróis e magia. Mas, aos poucos, ela percebeu que Hakuro estava pronto para algo mais desafiador. Foi ent?o que come?ou a trazer livros com ilustra??es detalhadas sobre a história de Lumeareth, as ra?as que habitavam o continente e as divis?es políticas entre os reinos.
Kyra, a irm? mais velha, notou essa mudan?a durante uma de suas visitas à biblioteca. Ela encontrou Arysa sentada ao lado de Hakuro, com um livro grosso sobre a Grande Guerra das Ra?as aberto no colo. O pequeno estava completamente absorto, seus olhos brilhando enquanto Arysa explicava os eventos ilustrados nas páginas.
— O que é isso? — perguntou Kyra, intrigada.
Arysa ergueu os olhos, surpresa.
— é um livro sobre a história de Lumeareth. Ele pediu para ver…
Kyra franziu o cenho, confusa.
— Ele só tem três anos… Por que precisa entender isso agora?
Hakuro, percebendo a presen?a da irm?, virou-se para ela com um sorriso inocente.
— Quero saber tudo — disse ele, sua voz ainda infantil, mas com uma convic??o impressionante.
Kyra hesitou por um momento, mas acabou se aproximando. Pegou o livro das m?os de Arysa e folheou algumas páginas.
— Sabe o que está vendo aqui? — perguntou, apontando para uma ilustra??o de soldados humanos lutando contra elfos.
Hakuro assentiu.
— Humanos e elfos lutando… por terras.
Kyra arregalou os olhos.
— Como sabe disso?
— As cores… as armas… os rostos — respondeu ele, apontando para os detalhes na imagem. — é fácil entender.
Kyra ficou em silêncio por alguns instantes, processando aquela resposta. Ent?o, decidiu testá-lo.
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— E o que você acha que aconteceu depois dessa guerra?
Hakuro inclinou a cabe?a, pensativo.
— Os humanos ganharam… mas n?o totalmente. Eles fizeram um acordo. Um tratado.
Kyra sentiu um arrepio percorrer sua espinha. Aquilo n?o era algo que uma crian?a de três anos deveria deduzir t?o facilmente.
— Como sabe disso? — perguntou novamente, desta vez com um tom mais sério.
— Parece óbvio. — disse Hakuro dando de ombros.
Kyra trocou um olhar preocupado com Arysa, mas n?o disse mais nada. Em vez disso, sentou-se em uma cadeira apoiando o livro sobre a mesa.
— Venha! Lerei um pouco para você.
Com Hakuro próximo, ajudou o pequeno a subir em seu colo e come?ou a explicar os capítulos do livro com mais detalhes. à medida que falava sobre as antigas guerras, os tratados entre reinos e as tens?es raciais que persistiam até hoje, Hakuro ouvia atentamente, fazendo perguntas precisas e, às vezes, desconcertantes.
— Por que os an?es n?o ajudaram os humanos naquela batalha? — perguntou ele, em um momento.
Kyra piscou, surpresa.
— Porque eles estavam ocupados defendendo suas próprias montanhas.
— Mas seria mais vantajoso para eles se unirem aos humanos — insistiu Hakuro, com uma lógica que parecia pertencer a alguém muito mais velho.
Kyra n?o conseguiu evitar um sorriso.
— Você é mesmo incrível… — murmurou, sentindo uma pontada de orgulho que n?o conseguia explicar.
Enquanto isso, Alek observava tudo de longe com uma mistura de curiosidade e irrita??o. Ele n?o entendia por que Hakuro recebia tanta aten??o. Para ele, o ca?ula era apenas um bebê estranho, com cabelo lilás e olhos roxos que pareciam enxergar além do mundo físico.
Certa vez, enquanto brincava sozinho no jardim, Alek viu Hakuro sob a sombra de uma árvore, segurando um peda?o de madeira como se fosse uma espada.
— O que está fazendo? — perguntou Alek, aproximando-se com cautela.
Hakuro olhou para ele e sorriu.
— Treinando.
— Treinando o quê?
— Para ser forte — respondeu ele, simplesmente.
Alek bufou, impaciente, cruzando os bra?os enquanto observava Hakuro segurar aquele peda?o de madeira como se fosse uma arma real.
— Você é só um bebê, — disse ele, com desdém. — N?o pode ser forte. Nem mesmo sabe o que está fazendo.
Hakuro abaixou a "espada", mas seu olhar permaneceu fixo no irm?o. Havia algo naqueles olhos roxos que fizeram Alek hesitar por um momento.
— Eu sei mais do que você imagina, — respondeu Hakuro, sua voz calma, mas firme. — E eu vou ficar mais forte. Mais forte do que qualquer um jamais foi.
Alek sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele n?o sabia por que, mas aquelas palavras soavam como uma promessa — ou talvez uma amea?a. Desde ent?o, ele passou a evitar Hakuro sempre que possível, mas n?o conseguia deixar de observá-lo à distancia, como se estivesse esperando pelo momento em que o ca?ula finalmente revelasse suas verdadeiras inten??es.
Meses depois, quando Hakuro completou quatro anos, ocorreu um incidente que mudaria tudo.
Hakuro estava em seu quarto, brincando com alguns cristais que Arysa havia deixado sobre a mesa. Sem querer, derrubou dois deles, e ao chocarem-se no ch?o, criaram uma pequena faísca, dando início a uma chama que come?ava a consumir um peda?o do tapete. Hakuro observou o fogo com fascínio, sentindo algo despertar dentro dele.
— Muereth… — murmurou, sem pensar.
No instante seguinte, as chamas cresceram, tornando-se em uma labareda intensa.
— AAHH! — gritou Arysa, virando-se para as chamas e correndo para apagar o fogo.
O som do grito atraiu Nafyr e Nyellen imediatamente.
— O que aconteceu aqui?! — vociferou o Marquês, confuso, tentando entender a cena: Arysa ofegante, tentando apagar o tapete em brasas no ch?o e Hakuro parado, os olhos arregalados... mas sem medo, em silêncio, como se calculasse o que dizer. Mas n?o disse nada. Permaneceu firme, mesmo diante da tens?o.
Após se certificarem de que ninguém estava ferido, Arysa contou o ocorrido com a voz ainda trêmula.
Mais tarde, todos foram chamados à sala nobre da mans?o. O clima era sério. As chamas da lareira tremeluziam nas paredes de pedra, como se escutassem em silêncio.
O Marquês se ergueu diante de todos.
— A partir de hoje, ninguém deve usar magia na frente de Hakuro! — declarou, com firmeza.
— Mas por quê?! — protestou Hakuro, o punho fechado de indigna??o.
O olhar severo de Nafyr foi o suficiente para fazê-lo calar-se.
— Você poderá continuar estudando — disse, a voz mais branda agora. — Mas sob supervis?o. N?o fa?o isso para puni-lo, meu filho... mas para protegê-lo. Você é especial, Hakuro. Especial demais. E isso pode ser perigoso.
Ele se virou para Kyra.
— Ensine-lhe apenas o que n?o possa causar acidentes. E Hakuro... — seus olhos encontraram os do filho, duros como a?o — n?o use magia sem antes avisar sua m?e, sua irm? ou Arysa. Nunca mais fa?a isso sozinho.
Hakuro baixou os olhos, mas por dentro, a chama da magia acabava de ser acesa.
E n?o seria apagada t?o facilmente.
Nos meses seguintes, Hakuro continuou seus estudos sob a orienta??o de Kyra. Ela se tornara sua mentora oficial, ensinando-o sobre as leis do reino, os sistemas de poder e, principalmente, sobre magia. Para uma crian?a de quatro anos, ele absorvia o conhecimento com uma rapidez impressionante. No entanto, sempre que tentava praticar magia, seguia à risca as instru??es de seu pai, avisando previamente quem estivesse por perto.
Mas havia algo dentro dele que n?o se contentava com limites. Durante as noites silenciosas, enquanto todos dormiam, Hakuro pensava na sensa??o que experimentara ao provocar aquelas chamas. Era como se uma parte dele finalmente tivesse despertado. Sua mente racional sabia que precisava ser cuidadoso, mas seu espírito ancestral ansiava por liberdade.
Kyra percebeu essa tens?o crescente. Certa vez, enquanto explicava os princípios básicos da manipula??o de mana, ela parou e olhou diretamente para ele.
— Hakuro — disse, sua voz suave, mas firme —, você sabe por que papai e mam?e est?o t?o preocupados, n?o sabe?
Ele hesitou por um momento, mas ent?o assentiu.
— Porque sou diferente — respondeu, sua voz quase um sussurro. — Porque… posso fazer coisas que outras crian?as n?o conseguem na minha idade.
Kyra sorriu, embora houvesse um tra?o de tristeza em seus olhos.
— Exatamente. Mas isso também significa que você precisa ser mais cuidadoso. O mundo n?o é gentil com aqueles que s?o diferentes demais.
Hakuro franziu o cenho, processando aquelas palavras. Ele n?o queria ser visto como uma amea?a, mas também n?o queria esconder quem realmente era.
Enquanto isso, Alek parecia cada vez mais distante. Ele evitava Hakuro sempre que possível, murmurando insultos como "aberra??o" quando achava que ninguém estava ouvindo, mas o mantinha sob vigilancia por via das dúvidas. Para Hakuro, isso era desconcertante. Ele n?o entendia por que seu irm?o o tratava com tanto desprezo.
— Talvez ele só tenha medo — comentou Arysa certa vez, quando Hakuro lhe perguntou sobre isso.
— Medo? De mim? — ele perguntou, incrédulo.
Arysa assentiu.
— Você é… especial, Hakuro. E às vezes, as pessoas têm medo do que n?o conseguem entender.
Aquelas palavras ficaram gravadas na mente de Hakuro. Ele come?ou a observar Alek com mais aten??o, notando como o irm?o parecia inquieto e nervoso sempre que estavam no mesmo ambiente. Havia algo mais ali, algo que ia além de simples ciúmes.
A manh? mal havia despontado na mans?o Yalareth, mas o jardim já ecoava com o som de encantamentos e o brilho suave da mana sendo manipulada. Kyra, com sua postura elegante e olhos azuis concentrados, guiava Hakuro através de uma série de exercícios mágicos. O garoto, com seu cabelo lilás despenteado e olhos roxos cheios de determina??o, seguia as instru??es da irm? com uma aten??o quase religiosa.
— Visualize a energia, Hakuro! — disse Kyra, com firmeza. — Sinta fluir através de você, como um rio calmo, e tente direcioná-la para o cristal.
Hakuro se concentrou com todas as suas for?as. Ele podia sentir a mana, uma sensa??o quente e vibrante que pulsava dentro dele, exatamente como em sua vida passada. Lentamente, ele tentou direcionar essa energia para o cristal azul que segurava na m?o. O cristal come?ou a brilhar, emitindo uma luz suave e reconfortante.
Alek observava a cena de longe, escondido atrás de uma coluna de mármore. O tédio da manh? e seu instinto de autopreserva??o o haviam levado a espiar o que os dois estavam fazendo. Ele nunca entendia o fascínio de Hakuro pela magia, mas n?o podia negar que a dedica??o do irm?o era impressionante.
“é mesmo uma aberra??o.” — Pensou ele desconfortável.
— Muito bem, Hakuro! — Kyra exclamou, sorrindo. — Você está progredindo rapidamente.
Hakuro abriu um sorriso radiante iluminando seu rosto. Ele adorava quando Kyra o elogiava. Ela era sua mentora, e também sua irm? mais velha. Ele a admirava profundamente e queria aprender tudo o que ela sabia.
— Agora, vamos tentar algo um pouco mais avan?ado. — disse Kyra, pegando um cristal vermelho brilhante. — Este é um cristal de armazenamento de mana e pode guardar uma quantidade média de mana. Tente canalizar a energia com mais precis?o.
Hakuro assentiu, pegando o cristal com cuidado. Ele se concentrou ainda mais do que antes. A energia dentro do cristal vermelho parecia se tornar mais intensa, mais poderosa. Ele podia senti-la pulsando em sua m?o, como um cora??o batendo.
De repente, a luz do cristal vermelho come?ou a oscilar, tornando-se instável. Alek sentiu um arrepio percorrer sua espinha, um pressentimento de que algo estava prestes a dar errado.
— Kyra, acho que... — Hakuro come?ou, mas antes que pudesse terminar a frase, o cristal esquentou sua m?o fazendo com que o solta-se pouco antes do cristal explodir.
A explos?o emitiu uma forte luz vermelha e energia mágica irrompeu do cristal, fazendo Hakuro cambalear para trás. Kyra rapidamente ergueu um escudo mágico, protegendo-os da maior parte da explos?o, mas ainda assim, uma boa área do jardim foi envolta em uma breve onda de energia instável.
Alek observou, boquiaberto, enquanto a poeira mágica se assentava. Hakuro estava estranhamente calmo e parecia ileso. Kyra, por outro lado, parecia um pouco abalada, mas aliviada por ninguém ter se machucado gravemente.
— Hakuro! Você está bem? — Kyra perguntou, com a voz ainda tremula.
— Acho que sim... — Hakuro respondeu, ainda um pouco desorientado. — O que aconteceu?
— Você liberou muita energia de uma vez. é preciso ter mais controle, Hakuro. A magia é poderosa, mas também pode ser perigosa se n?o for usada com cuidado. — Kyra explicou, suspirando.
Alek aproveitou a oportunidade para sair de seu esconderijo e se afastar sem ser notado. Mas em sua mente o pensamento persistia “Essa aberra??o vai destruir a mans?o antes que eu a herde.”
— Eu tentei parar Kyra, mas simplesmente n?o deu. — Notava-se o desapontamento na voz de Hakuro.
— Tudo bem, Hakuro — Kyra disse, colocando uma m?o reconfortante em seu ombro. — Acidentes acontecem. O importante é que você está bem e que aprendeu algo com isso.
Com o passar do tempo, Hakuro também passou a explorar ainda mais a mans?o. Ele já dominava completamente a linguagem e conseguia ler os livros que antes pareciam indecifráveis. Na biblioteca, ele encontrava refúgio, perdendo-se em histórias sobre heróis, guerras e os mistérios dos deuses. Cada nova descoberta o aproximava de algo maior, algo que ainda n?o conseguia compreender totalmente.
Certa tarde, enquanto praticavam no jardim, Hakuro decidiu fazer uma pergunta que vinha martelando sua mente há dias.
— Kyra — come?ou ele, hesitante, mas com a curiosidade brilhando em seus olhos roxos —, por que você nunca me ensina a usar magias dos elementos?
Kyra dissipou sua magia, surpresa pela pergunta inesperada. Ela hesitou por um momento antes de responder, como se estivesse escolhendo cuidadosamente as palavras.
— Magias elementais s?o... especiais, Hakuro — disse ela, finalmente. — Elas n?o podem ser usadas por qualquer pessoa. Para acessar esse tipo de magia, é necessário passar pelo batismo e receber uma bên??o de um dos deuses.
Hakuro a olhou confuso.
— Batismo? E o que isso significa?
Kyra suspirou, se aproximando um pouco do irm?o. Sabia que essa conversa seria inevitável cedo ou tarde.
— O batismo é um ritual sagrado realizado quando uma crian?a atinge cinco anos de idade. é durante esse ritual que os deuses decidem se v?o aben?oar alguém. Se você for aben?oado, recebe um nível de poder que determina qu?o forte será sua conex?o com o elemento associado ao deus que te escolheu.
Hakuro inclinou a cabe?a, ainda intrigado.
— Ent?o... só posso usar magia elemental se algum deus me aben?oar?
Kyra assentiu.
— Exatamente. E mesmo assim, só poderá usar magias relacionadas ao elemento do deus que te concedeu a bên??o. Por exemplo, se você for aben?oado por Loraelwen, a Deusa da Natureza, poderá manipular água e gelo, mas nada além disso.
Hakuro permaneceu em silêncio por um momento, processando a informa??o. Ele sabia que havia algo diferente nele, algo que ia além das limita??es normais. Mas também sentia que ainda estava longe de entender completamente o papel que desempenhava neste mundo.
— E se eu n?o for aben?oado? — perguntou ele, sua voz quase um sussurro.
Kyra sorriu suavemente, mas havia um tra?o de preocupa??o em seus olhos.
— Ent?o você n?o terá acesso às magias elementais. Mas isso n?o significa que você seja menos capaz. Existem muitos tipos de magia que n?o dependem de bên??os divinas. Você já demonstrou um talento impressionante para manipular mana pura, e isso é raro, Hakuro. Muito raro.
Hakuro abaixou os olhos, pensativo. Ele sabia que Kyra estava tentando confortá-lo, mas aquela explica??o apenas aumentava suas dúvidas.
— Papai disse que você só deveria me ensinar coisas que n?o pudessem causar acidentes — murmurou ele, olhando para ela com um misto de frustra??o e curiosidade. — Isso significa que magias elementais s?o perigosas demais para mim?
Kyra hesitou novamente, claramente desconfortável com a dire??o da conversa.
— Sim, Hakuro. Magias elementais s?o poderosas e exigem controle absoluto. Mesmo pessoas aben?oadas precisam de anos de treinamento para usá-las com seguran?a. Foi por isso que nosso pai ordenou que eu me concentrasse apenas em magias simples por enquanto. Ele está tentando protegê-lo, entende?
Hakuro apertou os punhos, sentindo-se limitado pelas regras impostas.
— Mas eu quero aprender tudo — disse ele, sua voz firme, quase desafiadora. — N?o quero ser tratado como se fosse fraco.
Kyra colocou uma m?o gentil em seu ombro, tentando acalmá-lo.
— Hakuro, você já está muito à frente de qualquer crian?a da sua idade — disse Kyra, sua voz suave, mas firme. — O que você está fazendo aqui, o que está aprendendo... é extraordinário. Mas precisa ter paciência. Algumas coisas simplesmente n?o podem ser apressadas.
Ela fez uma pausa, olhando para ele com um misto de orgulho e preocupa??o.
— Mesmo com magias simples, veja o que aconteceu em nosso último treinamento. Aquela explos?o do cristal poderia ter machucado você, ou até mesmo outras pessoas. Você tem um talento incrível, mas precisa aprender a controlá-lo antes de tentar algo mais avan?ado. Prometa-me que vai tomar cuidado, certo?
Hakuro n?o respondeu imediatamente. Ele olhou para o ch?o, perdido em pensamentos. Sentia que havia algo dentro dele, algo que ia além das limita??es que todos pareciam impor.
— Sim. — Finalmente murmurou.
No dia seguinte, uma pergunta continuava a ecoar em sua mente: "Por que eu fui enviado para este mundo?" Hakuro repetiu a pergunta mentalmente, seus olhos fixos no horizonte. Ele estava sentado sob a sombra de uma árvore no jardim, observando as folhas dan?arem ao vento. Tudo ao seu redor parecia t?o simples, t?o natural. Mas dentro dele, havia uma tempestade de perguntas sem respostas.
Ele sabia que era diferente — seu cabelo lilás, seus olhos roxos, sua capacidade de entender coisas que outras crian?as da mesma idade jamais poderiam compreender. Mas o que isso significava? Ser diferente era uma bên??o ou uma maldi??o? E por que ele sentia essa constante necessidade de aprender, de descobrir mais sobre o mundo?
Lady Nyellen encontrou-o assim, imerso em pensamentos profundos. Ela sentou-se ao seu lado, colocando uma m?o gentil em seu ombro.
— O que há de errado, meu filho? — perguntou ela, com ternura.
Hakuro hesitou antes de responder.
— Mam?e… — come?ou, sua voz hesitante —, por que eu sou assim? Por que sou diferente?
Nyellen sorriu, mas havia um toque de melancolia em seus olhos.
— Você é especial, Hakuro. E às vezes, ser especial significa carregar responsabilidades que os outros n?o entendem."
Nyellen suspirou, como se esperasse essa pergunta há muito tempo.
— Há coisas neste mundo que nem mesmo os deuses podem explicar — disse ela, sua voz calma e reconfortante. — Mas uma coisa é certa: você será grandioso, Hakuro. Algo que ainda n?o podemos ver claramente o aguarda no futuro. — Pelo menos era o que sua intui??o gritava.
Ele franziu o cenho, confuso.
— Grandioso… eu?
Nyellen sorriu, um sorriso misterioso que parecia carregar séculos de sabedoria.
— Isso, meu filho, e você descobrirá no momento certo.
Aquelas palavras deixaram Hakuro com mais perguntas do que respostas. Mas, ao mesmo tempo, trouxeram uma sensa??o de expectativa. E naquela noite, enquanto olhava pela janela de seu quarto, Hakuro viu o céu estrelado brilhar com intensidade incomum. Parecia que as estrelas estavam tentando lhe dizer algo, enviando mensagens que ele ainda n?o conseguia decifrar.
"Logo", pensou ele, com um sorriso confiante. "Logo vou entender tudo."