Uivo, que havia se deslocado para proteger a retaguarda da tropa que conduziam, viu quando os carcarás e RoupaSuja, muito à frente, giraram no ar e despencaram, sumindo dentro do teto das árvores.
Os ellos e Ybytu, que também seguiam os amigos no céu, sorriram, tomando rapidamente o rumo onde eles haviam penetrado na floresta.
Enquanto flutuava olhava admirado a regi?o. Ao longe podia ver uma chapada imensa e alta, com as florestas subindo dominadoras até a metade de sua altura. Havia algo diferente no ar, algo como uma magia, um encanto pesando sobre aquelas terras. Mesmo com o tempo pesado era incrível estar no meio de tudo aquilo, sentia. Lá, ao longe, podia sentir uma fonte de poder. Um arrepio poderoso percorreu todo seu corpo e sua mente ficou em silêncio, um silêncio cheio de respeito e adora??o, como quando se entra em uma catedral. Eles poderiam tentar corromper e destruir aquele lugar, mas seria apenas isso, uma tentativa, sabia.
Uivo respirou fundo e desceu um pouco distante do acampamento que a comitiva havia armado. Em paz, vendo que tudo por ali estava bem, passou a caminhar, assim que viu os amigos sendo recebidos pela comitiva.
Sorriu pelo espanto e alegria da comitiva ao verem RoupaSuja renovado, agora mais parecido com os relatos de como deveriam ser os anjos. Ybynété parecia o mais maravilhado com a transforma??o de RoupaSuja.
Uivo avistou Allenda primeiro.
Alta, esguia, o arco em descanso cruzando o peito, os olhos vasculhando os campos, além das árvores.
Ele viu o momento em que ela o percebeu. Ele a viu baixar os olhos e girar o corpo, sumindo no meio dos seus. Uivo sorriu. Com suavidade pregui?osa se despoderou para puma dem?nio, já bem perto do acampamento.
Ybytu e os ellos o ultrapassaram. Ele manteve o mesmo passo. N?o tinha pressa. Queria sentir, tentar guardar esses pequenos momentos, agora t?o raros.
- Bom ver vocês... – ouviu Bra?oDePedra cumprimentar a comitiva que se formou à frente para recebê-los. – Passaram maus bocados para chegarem aqui, me contaram.
- Tanto quanto vocês... Também ficamos sabendo das batalhas em que se envolveram – devolveu Adanu, a voz tranquila e bem-humorada. – E deu certo, porque a press?o sobre nós foi suportável – sorriu.
Uivo se aproximou e cumprimentou a todos com satisfa??o.
Adanu o encarou, o rosto sério e compenetrado.
Uivo observou rapidamente seu rosto sério, e ent?o voltou sua aten??o para Allenda, conferindo que sua aura estava dura e preocupada, chateada.
- Allenda está brava comigo?
- Acho que sim, Uivo. Desde que você se foi, depois que o seu av? nos atacou, que ela está assim, pensativa, triste e magoada. Acho que a ficha caiu, depois que a tempestade passou: você estava praticamente morto, n?o fossem seus amigos. Além disso, n?o fosse seu av? ter contado o que realmente aconteceu, você teria ocultado isso de nós, n?o teria? Bem, você nos escondeu isso, quando veio nos contar os planos do seu av? – sorriu preocupado.
- N?o contei a vocês, só porque aquilo já havia sido resolvido – falou, os modos mostrando algum desconforto.
- N?o, n?o estava – murmurou. – Tanto n?o estava que ele veio atrás dela... Bem, mas que bom que seus amigos estavam por perto. Você se arriscou demais. Se arriscou demais, Uivo – repetiu preocupado. - Precisa pensar que você n?o está mais sozinho – repreendeu, pondo as m?os sobre seus ombros.
- Já puxamos a orelha dele – riu Bra?oDePedra. – Ele quase morreu. Foi por um triz...
Uivo sorriu abatido. Tirou os olhos de Bra?oDePedra e viu Allenda, que o observava de um ponto um pouco distante, baixar os olhos, o rosto impassível.
Bra?oDePedra observava Adanu em silêncio. A fraqueza dele havia aumentado. Mas, havia algo mais. Ent?o, lentamente, tudo foi ficando claro.
- Vocês quase a tomaram, n?o foi? Quero dizer, a caveira deles...
Adanu se virou e encarou Bra?oDePedra.
- Um verdadeiro potaraobi, n?o é mesmo?
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- Apenas um mago – sorriu. – Quase a tomaram, n?o foi? – repetiu.
- Sim. Mas fomos descobertos e tivemos que fugir. Fomos perseguidos por grandes sombras, que formam parte do exército deles.
- Grande o exército deles?
- Sim, bem respeitável!
- é verdade que eles procuram corromper essas terras?
Adanu olhou Uivo, e fez sinal afirmativo com a cabe?a.
- é o que sugerem suas a??es. Eles já fizeram três sacrifícios de prisioneiros nestas terras.
- Essas terras s?o antigas, s?o fortes – tranquilizou RoupaSuja.
- Eles est?o lá? – perguntou PedraAfiada olhando para a floresta que avan?ava em dire??o à distante chapada.
- Sim... Infelizmente redobraram a vigilancia e est?o mais compactos.
Subitamente RoupaSuja enrijeceu-se, ao dar de cara com PisaManso, o que n?o passou despercebido para Itanauara. Itanauara virou-se e observou discretamente PisaManso, que também se mostrava incomodado.
- N?o sabia que tinha um dem?nio como esse na comitiva.
- Nem eu sabia que um anjo viria para se juntar à essa comitiva – rebateu PisaManso com escárnio.
- Há algum problema de vocês caminharem juntos? – perguntou Adanu com a voz dura. - Afinal, anjo, você se tornou amigo de um – falou se referindo a Uivo.
- N?o, claro que n?o... Só mantenha seu dem?nio longe de mim.
- O mesmo pe?o eu com respeito ao seu anjo – sorriu PisaManso com deboche.
- Ih, RoupaSuja – reclamou Ybynété, sob o olhar divertido de Dhorn. – PisaManso é gente boa, você vai ver.
RoupaSuja fez que n?o ouviu. Pensativo se aproximou da borda do monte, os olhos sondando o exército inimigo.
Adanu suspirou pesado.
Vendo que os dois mantinham distancia entre si e que n?o se encaravam, resolveu desconsiderar a indisposi??o por enquanto.
- Lá, ... – apontou Bra?oDePedra para pared?es ao longe.
- Sim, a chapada dos guanh?es.
- O que pretende, Adanu? – perguntou PenaNoCéu.
- Eu estava tentando achar uma forma de atacá-los - sorriu.
- E achou?
- Agora sim, Uivo. Agora temos como. Itanauara - chamou, - está na hora de convocar os seres dessas terras. Envie-os diretamente para a plataforma em cima da montanha. é lá que o enfrentamento irá acontecer.
Uivo ouviu os preparativos e suspirou fundo. Ent?o viu Allenda um pouco distante, cuidando do seu queixada.
- Como está, flor-do-mato? – cumprimentou se aproximando e se agachando ao seu lado, tocando com carinho o queixada, que apenas resfolegou suavemente.
Allenda o encarou e, por um momento, ficou em silêncio, apenas observando Uivo.
- E o dem?nio, o seu dem?nio. Como está com ele?
- Estamos nos dando muito bem. Afinal, tem que ser assim, n?o é? Considerando que n?o tem como ele desaparecer – falou. – Na verdade eu sou um nefelin puma e dem?nio de heran?a. Nada muito curioso, acho.
- Que bom, para você... E para nós – sorriu mais uma vez. – é bom ver que você está bem... – disse se levantando e fazendo men??o de se afastar.
- Você está tensa, brava. De nenhuma valia teria sido vocês saberem da minha batalha com o meu av?. Allenda???
Allenda o encarou, os olhos sérios.
- Por que se colocou em risco, assim, quando foi ver seu av? depois da batalha com os fantasmas, sozinho? N?o estava preparado para lutar contra o que buscava. Você foi inconsequente e...
- Eu tinha que fazer isso, tinha que encará-lo, encarar a mim, livrar o meu caminho...
- O seu caminho. Sei!!! – ralhou com amargor. - Ent?o, seja mais inteligente da próxima vez, puma.
- Allenda, você sabe que tinha que resolver isso com aquele dem?nio – tentou explicar, a voz o mais suave que podia. – Eu te disse o que ia fazer naquele dia, n?o disse?
Allenda ficou em silêncio, e ent?o a tens?o se foi.
- Sim, você disse. Mas, acho que n?o me atentei na hora, estava cansada demais, machucada demais. Me recriminei por isso, depois. Acho que estava muito abalada com a terrível batalha que tivemos. Tentei entrar em contato com você várias vezes, mas n?o conseguia – contou, os olhos pregados nos dele. – Foi por t?o pouco, Uivo. Se n?o fossem Bra?oDePedra e RoupaSuja você teria morrido naquele dia. Você n?o estaria mais aqui...
Uivo ficou em silêncio. Allenda sentiu as palmas de suas m?os transpirarem.
> Você tem que parar de fazer essas coisas sozinho. E depois se arriscou de novo, vindo atrás dele. Por sorte n?o aconteceu um desastre maior. Ah, nós podemos fazer isso juntos, Uivo.
Uivo manteve-se em silêncio, os olhos luminosos aprisionados nos belos olhos raivosos e preocupados.
- Esse é um risco a que n?o tinha como expor você, Allenda. Ele também quase a matou...
- O risco foi enorme. Ele pode ser livre e total na maldade, mas você tem travas, o que te enfraquece. Você n?o consegue se entregar ao mal. Qual é a sua trava? Por que n?o libera o dem?nio que você é?
Uivo suspirou, o rosto se contraindo. Gostaria de poder dizer o quanto ela era importante, como ela fazia o sol explodir em luz e o mundo se banhar em cores, e como sua ausência deixa tudo cinza e triste.
Suspirou forte mais uma vez.
Com muito cuidado a puxou para si em um abra?o demorado e sentido. Ele sentiu uma lágrima quente escorrer em seu peito. Suspirou num abra?o um pouco mais apertado.
Devagar a afastou e se fixou em seus olhos.
- A guerra é a guerra, e podemos nos virar com ela, mas ele... N?o podia te arriscar. Isso iria me destruir – sussurrou dolorido.
- E eu, e eu? N?o é só sobre você, n?o mais, Uivo. Você quase morreu! – falou ríspida, se afastando para o meio da comitiva.
Uivo ficou um momento ali, pensativo, observando os olhos do queixada, que o olhava curioso.
- Ela é fogo, literalmente, né? – sorriu dando uma pancadinha distraída na cabe?a do animal, que soltou uma fumacinha de alegria.
Ent?o olhou para trás, para o acampamento, e viu todos em torno de Ybytu. Alheado viu Allenda parando e colocando a m?o no peito, a cabe?a pendendo no rega?o, como todos os que estavam ali.
> Ah, DenteDeAlho, que Tup? veja o quanto é valorizado e honrado por quem o conhece – sussurrou para o ar, enquanto se levantava.
Devagar, em companhia do queixada caminhou até Allenda. Seu cora??o se encolheu, ao ver a dor naqueles olhos que tanto amava. Com carinho a puxou para si, à qual ficou abra?ado. Havia aquele silêncio enorme e respeitoso. Com cuidado sondou os olhos de cada um que estava ali, todos imersos no doloroso luto pelos que haviam partido.