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A GRANDE DÍVIDA

  Finalmente, sua alma está em minhas m?os. O poder de decidir me paralisa, mas é só por um breve momento.

  Uivo parou, os olhos pensativos ao longe. A batalha de Guanh?es talvez tenha sido uma das mais duras provas pela qual haviam passado. N?o, pensando bem, talvez uma das mais duras e terríveis tenha sido a do brejal, onde as duas comitivas, tanto a de Adanu quanto a de Danbara, quase fossem destruídas. E agora tudo ainda se complicava um pouquinho mais. Havia algo no ar, algo nos sussurros da floresta e nos cheiros que a brisa trazia: havia um mistério que estava pronto a ser desnudado, e ele era sobre o mundo em que viviam, e sobre eles que ajudavam a construir esse próprio mundo. Isso era sentido, e era aguardado com a respira??o um pouco mais controlada. As dores iriam aumentar num crescendo até um final que, esperavam todos, seria apoteótico e bom, cheio de luzes e risos, há tanto tempo esperados. Mas, agora, os cora??es pressentiam que seria a revela??o da verdadeira miss?o do danush, e algo sobre a procura por perd?o, como muitos vinham observando no mundo do sonhar. E isto era necessário, sabiam, para que pudessem realmente retomar uma guerra antiga nunca finalizada, para que eles e o mundo pudessem prosseguir em suas miss?es contratadas.

  A comitiva estava reunida à volta de Adanu, que mostrava o semblante sério e concentrado, aquietando e libertando a mente para fazer a entrega do que trazia a já muito tempo.

  Adanu inspirou demoradamente, deixando a mente se perder para bem longe, no tempo e no espa?o, sem pressa, sem cobran?as. Sentia que um ciclo, velho como o tempo, estava para terminar, ao menos para ele.

  Com aten??o, em silêncio Adanu avaliou os últimos acontecimentos, medindo o impacto sobre as linhas que se desenrolavam, formando o futuro. As caveiras rosa e roxa que estiveram com o conselho se mostraram armadilhas que quase destruíram os danatuás antes mesmo que se dessem conta. Ao ver o logro urdido pelos dem?nios, utilizando uma das caveiras, Otag atingiu Dene-dene com um golpe mortal, pelo qual ele veio a falecer n?o muito depois; e logo depois haviam se batido com um grande exército, destruído uma das caveiras construídas pelos dem?nios. E agora, como haviam pressentido por todos da comitiva, estavam atrás de uma das miss?es ocultas dos semnome.

  Era nítido que tudo estava para se desenrolar, como deveria.

  Adanu voltou sua aten??o para Uivo, sentindo nele uma preocupa??o por uma parte da real miss?o, logo que soube qual ela era: a de encontrar as coris-negras.

  Uivo respirou fundo, a mente pesada.

  A tristeza e a preocupa??o o inundavam, fazendo uma onda de calor e frio percorrer sua coluna.

  Os últimos dias foram exaustivos, batalha atrás de batalha. Mas eram esfor?os apenas físicos. O terrível foi encarar de frente todas as revela??es que Adanu lhes entregara. Ali, nas palavras que teimavam em ecoar, estavam os anjos e dem?nios, e a guerra dosvivos, a grande guerra dosvivos. E por horas e mais horas Adanu descreveu essa guerra, com seus desencontros e os jogos em jogos, e como quase foram dominados, só escapando porque uma muta, a DosVivos, resolveu sair do convívio dos dem?nios e abandoná-los, n?o sem antes revelar seus terríveis planos.

  Ent?o, continuou a contar como desceram as montanhas, deixando levas de danatuás para trás, que se recusaram a abandonar as montanhas, acreditando que a guerra estava ganha.

  E foi nesse momento que contou a grande dívida que todos tinham com as coris-negras, que fizeram um cord?o em volta das montanhas, sacrificando suas próprias vidas para que os danatuás pudessem descer em seguran?a.

  E como ninguém voltou para ajudá-las.

  Uivo focou novamente a aten??o em Adanu. As revela??es, parecia, estavam longe de acabar.

  Penalizado viu o quanto ele estava enfraquecido.

  - Está se despedindo, Adanu? – ouviu Itanauara perguntar, a voz meio distante e receosa.

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  - Meu tempo e meu destino! Aqui sou danatuá, reconhecendo a dor causada. Harpias e coris-caririn, e todos os outros que se foram, ao longo dos tempos já foram encontrados e suplicados. Alguns n?o quiseram entender, mas ouviram os danatuás, com exce??o das coris-negras, que n?o foram encontradas, até hoje - falou erguendo os bra?os para as copas distantes, onde o zumbido intenso de centenas de asas dizia que já haviam chegado aquelas que buscavam. – N?o podemos ir à guerra com tal débito.

  De repente surgiram, explodindo em revoada dos recessos da floresta, cantando can??es antigas, lamentos penosos de ouvir em meio à sombras que se moviam como borr?es no ar.

  Uma concuss?o, no centro do círculo lan?ou todos para os lados. Apesar de reagirem com extrema rapidez, só puderam ver uma nuvem escura se levantando, cercando Adanu. Um movimento no canto da vis?o, e viram o fiel queixada sumindo em disparada para dentro da floresta, coisa nunca antes vista.

  - Fiquem onde est?o, e n?o interfiram – ouviram Adanu pedindo em meio a um silêncio terrível que se formara.

  Allenda e Uivo se lan?aram para uma árvore de onde poderiam ter uma vis?o mais ampla, e viram Adanu ajoelhado, de frente para uma grande ave negra que o encarava. Eles pareciam conversar.

  Ent?o ela se virou e encarou os dois.

  Uivo nunca havia sentido um poder como aquele.

  A ave ent?o se voltou novamente para Adanu.

  Uivo a viu se aproximar com cuidado do curupira, o bico muito próximo de seu rosto.

  Outras duas se aproximaram, viram como que através de um vidro opaco. Elas se postaram ao lado, e com aten??o observaram os ferimentos do curupira. Ent?o piaram baixinho e solenes, de pronto retornando para a barreira.

  - Atendemos seu chamado, nobre Adanu. Vimos seus esfor?os e sua indigna??o pelo que acontecia, mesmo sendo t?o jovem naqueles dias. Vemos honra e nobreza em você.

  - Meus dias se acabam aqui – ouviram Adanu sussurrar.

  - Assim é... Uma bela caminhada a sua, curupira.

  - E quanto aos danatuás?

  - N?o há perd?o! – falou ela, a cara recuando alguns centímetros.

  - Olhem os cora??es dos novos danatuás. Há honra neles...

  A ave se virou, e seus olhos se postaram sobre Allenda e Uivo, fixos, examinando.

  Ent?o, num movimento lento e simples se aproximou novamente de Adanu e avan?ou as asas, cobrindo seus rostos.

  Uma luz foi crescendo ali, amarelo ouro, que logo se tornou branca.

  E ent?o, numa explos?o súbita, as aves sumiram nas sombras da floresta.

  Apenas Adanu estava lá, inerte, caído no ch?o.

  Allenda e Uivo se jogaram no ch?o e acorreram.

  Itanauara levantou-se num salto e ajoelhou-se ao seu lado, sustentando seu corpo moribundo. Havia desespero em seu rosto. Um grito rouco e poderoso soou enquanto Adanu lhe dizia coisas sussurradas e entrecortadas, antes de tombar em seus bra?os, um sorriso cheio de paz no rosto.

  Itanauara apoiou gentilmente sua cabe?a no solo, o olhar dolorido sobre a face do amigo e amante.

  Reagindo quase que por instinto por um movimento numa copa Uivo saltou alto, totalmente puma, totalmente fera, apesar dos gritos de advertência de Itanauara. As garras fizeram um círculo no ar vazio, mesmo enquanto caia. Ao tocar no solo, pronto a investir novamente, foi que a viu.

  A que devia ser a rainha das coris-negras, pela maneira altiva com que se postava, o olhava de um galho mais baixo. Ela parecia rir de seu desespero.

  Allenda gritou, alertando-o que atrás dela iam-se ajuntando mais coris-negras, em meio a um som de revoada nervosa que rapidamente se intensificava.

  Uivo se levantou e se postou à frente dela.

  - Por quê? Ele n?o teve culpa, vocês devem ter visto isso nele. Ele quase foi executado quando se op?s ao conselho – gritou Uivo, os olhos fixos na ave, que permanecia atenta aos seus olhos, o bico adiantado em sua dire??o.

  Uivo respirou fundo. Devagar fechou os olhos e respirou profundamente, cheirando, buscando, procurando.

  Bem lentamente recolheu suas garras e abriu os olhos. Ela continuava ali, olhando-o com desdém.

  Uivo n?o se importou. Havia um poder nobre ali. Cheirou novamente o ar. Havia um cheiro, um gosto de mistério e poder, de honra.

  Uivo se virou e viu a comitiva armada num círculo de defesa, enquanto um barulho terrível de revoada rugia acima das copas das árvores.

  Em paz se virou e encarou a ave, parcialmente visível pela luz da lua, das chamas fracas da fogueira e da intensa luz que vinha de Allenda, toda poderada.

  Ela era toda negra, até brilhante, e seu tamanho era duas vezes o de um carcará. Era magnífica. E os olhos eram profundos, de um negror luminoso, que parecia fender a alma. E estavam repletos de amea?as.

  - N?o se poderou como dem?nio... – ouviu o som cavo, se fosse o próprio ar a produzi-lo. Havia uma vibra??o estranha e diferente no ar, como se ele todo fizesse parte daquele ente, por vários metros à sua volta.

  - Apesar da imensa mágoa que acolhem na alma, sinto uma imensa nobreza em vocês. N?o sou e nem serei seu inimigo.

  Uivo sentiu uma mudan?a no ar, como tal todos da comitiva, porque aliviaram seus poderamentos, apesar de ainda se mostrarem alertas.

  A ave se aproximou um pouco mais, seus olhos perfurando os seus.

  Sobre essas terríveis batalhas, elas podem ser conhecidas nos livros 2 e 3 de "Os danatuás", do mesmo autor.

  Para esclarecimentos sobre essa guerra, vide o livro "Anexo danatuás e outros" e no livro 3 de "Os danatuás", do mesmo autor.

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